quinta-feira, 7 de julho de 2005

Aprendendo a dizer não! ao não

por Renata dos Santos Melro
(parceira no EntreTextos)

Nós seres humanos, devido a razões históricas talvez, tendemos a dar mais ênfase aos erros que aos acertos dos outros. Assim, se alguém faz alguma coisa certa, agimos normalmente, como se este não tivesse feito mais que a obrigação, entretanto, quando esta mesma pessoa comete um erro... pronto! É o fim do mundo! Seguindo este mesmo pensamento, procurei observar a lógica das escolas nas quais trabalho.
Trabalhei nesses 7 anos de magistério com diversas séries do Ensino Fundamental (de 1ª a 4ª série) e, destes, 3 anos foram dedicados a Educação Infantil. Lembro-me que eu ficava louca quando um aluno não conseguia reproduzir o nome ou quando este não conseguia identificar as vogais apresentadas, por exemplo. É claro que eu tinha razão para tanto.
A escola que lecionei e que ainda leciono (não mais com Educação Infantil) tem como via principal a apreensão dos conteúdos e, quando as crianças não os assimilavam, era simplesmente porque nada sabiam. Nas reuniões de planejamento, a coordenadora sempre perguntava como estavam meus alunos. Vocês pensam que eu falava dos alunos que iam bem? Claro que não! Eu dizia logo: Não sei mais o que faço com a Paola, com a Luciana, com o Weslly... eles não conseguem reproduzir o nome, não identificam as vogais, não sabem o alfabeto...
Reparem que, na minha fala, o advérbio de negação aparece mais do qualquer outra coisa. Apesar disso, eu até então não tinha parado para pensar no meu fazer pedagógico.
Em 2004, acabei saindo da Educação Infantil por causa de uma reformulação nas turmas. Neste mesmo ano passei no concurso para professor municipal de Niterói e caí meio que de pára-quedas na escola em que me encontro hoje (UMEI Rosalina de Araújo Costa). Costumo dizer que eu não poderia ter caído em lugar melhor, pois sei que poderia ter caído sem pára-quedas em outra escola.
Ao começar o trabalho com as crianças percebi que estava não só num ambiente diferente, mas com um fazer pedagógico diferente. Nesta UMEI o que vale é o conhecimento construído pela criança com a mediação do professor e não o conhecimento pronto trazido por este. Não pensem que não encontrei alunos que não sabiam fazer o nome e muitas outras coisas. Ao contrário. Esses alunos existem e sempre vão existir, a diferença é a maneira como vemos esse não saber.
Gostaria de citar o exemplo de um aluno, o Waldemir. Essa criança não falava absolutamente nada comigo e nem com os colegas de classe. Quando eu perguntava algo a ele as crianças respondiam logo: tia, ele não fala não! Enquanto as crianças desenhavam cenas completas e escreviam seus nomes no 3º período, o Waldemir fazia espirais. Certamente, se eu estivesse trabalhando na Educação Infantil da primeira escola, ele entraria para a lista dos que nada sabem, seria assim mais um para me enlouquecer. Entretanto, o processo de desenvolvimento do Waldemir foi tão bonito que despertou em mim um amor muito grande por ele. Eu não o forçava a nada, simplesmente o estimulava e valorizava cada palavra, cada gesto, cada traço. Respeitava o seu tempo. Hoje ele desenha cenas, reproduz o seu nome, mantém diálogos comigo e com alguns colegas (embora tenha problemas na fala) e até arrisca explicar o que fez em seu desenho.
Sei que conteúdos são importantes, mas o que diferencia é a maneira com que estes são passados ou construídos. Na situação atual em que vivemos é imprescindível que tenhamos os alunos perto de nós e que nossa prática seja a de incluir e não a de excluir.Em virtude de tudo isso que escrevi, penso ser necessário revermos nossos conceitos, aprendermos a ver mais o sim do que o não. Em suma, é preciso enxergarmos que toda criança é capaz, toda criança pode... cada uma no seu tempo.

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